Um filme e surto machista a refletir o Brasil

por Sulamita Esteliam

Há muito tempo não vou ao cinema de verdade, assim com telão e som adequados. Não gosto das salas nos shoppings, por isso me abstenho.  Creio que já falei sobre isso aqui no blogue. Mas,  sem radicalismos: sou capaz do sacrifício para ver um filme que estou muito a fim.

Regina Casé é Val, a mãe doméstica. Camila Nárdia faz a filha, Jéssica que vai estudar na USP - Foto: Divulgação
Regina Casé é Val, a mãe doméstica. Camila Márdila faz a filha, Jéssica que vai estudar na USP – Fotos: Divulgação

É o caso de A que horas ela volta, da talentosa cineasta paulistana Anna Muylaert – O Ano em que meus pais saíram de férias (2009), É proibido fumar (2006). Durval Discos (2002). Seu quarto longa é estrelado por Regina Casé.

Um filme onde o protagonismo é da mulher: roteiro, direção e atuação – personagem principal e coadjuvante, premiadas nos festivais de Sundance, EUA e de Berlim, Alemanha.

Além da temática social instigante, e bem apropriada ao momento em que vivemos nesse Brasil de meu Deus.

cartaz do filme“O filme conta a história de Val, uma empregada doméstica pernambucana que vai para São Paulo tentar uma vida melhor no bairro nobre do Morumbi e deixa sua filha Jéssica em Recife, aos cuidados de outra pessoa, enquanto cuida de Fabinho, filho dos patrões Bárbara e Carlos, na capital paulista. Quando Jéssica resolve ir para São Paulo prestar vestibular na USP, o mundo dessas pessoas e suas respectivas concepções são radicalmente abalados”, escreve Lara Ximenes, no Blog da Fundação.

Está há duas semanas no Cinema do Museu, da Fundaj – Fundação Joaquim Nabuco, escolhido para a estreia da sala; que fica lá em Casa Forte, do outro lado do lado que moro na cidade do Recife.

E foi lá, há coisa de duas semanas, que se deu a nota dissonante. Do cine Museu, partiu um ruído medonho, como diz as gentes dessas plagas.

Deu-se no último sábado de agosto, por ocasião de um debate sobre a película, promovido pela Fundaj, com a presença da roteirista e diretora.

A cineasta Anna Muylaert e o elenco do filme
A cineasta Anna Muylaert, de preto, e o elenco do filme

Daí que dois colegas da cineasta, nomes reverenciados na cena audiovisual pernambucana, resolveram roubar a festa. Acabaram transformando o evento cultural num vergonhoso espetáculo de machismo e desrespeito.

Mais ou menos no mesmo diapasão do que vigora, inclusive em relação à presidenta República, legitimamente eleita. Grosseria regada à misoginia, nem mais nem menos.

Simplesmente, não deixaram que a cineasta falasse sobre sua obra; de quebra reverberaram preconceito em relação ao físico da protagonista e outras cositas más.

O pandepá provocou a indignação do público, ganhou as redes sociais e motivou atitude inédita da Fundaj, aplaudida entusiasticamente, diga-se: NOTA de desagravo, com pedido de desculpas público e sanções aos ditos cujos, que terão um ano de jejum de frequência e uso dos espaços da fundação.

E foi parar na mídia, local e nacional, geral e especializada.

Os machões se desculparam com a colega – também, publicamente, via jornais. Alegaram estar sob efeito etílico.

Comportamento típico de quem é ou se comporta como macho alfa: marca território, mete os pés pelas mãos e depois pede desculpas – “estava bêbado”, “excedi-me”. E todos, alvo inclusive, têm que ser magnânimos e compreendê-los, os pobrezinhos…

O movimentos de mulheres em Pernambuco reagiu ao mea culpa com nota divulgada no Facebook – e que me chegou via Rede Mulher e Mídia: Machismo no cinema pernambucano.

Lembra, com razão, que o álcool tem sido eterna desculpa para atos de violência contra a mulher, e passou da hora de acabar com isso.

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Para atiçar a vontade, assista ao trailer internacional do filme. O título em inglês é The Second Mother (A segunda mãe) :

 

 

Eis o vídeo com alguns Ecos do Que horas ela volta?, postado no Youtube pelo Blog da Fundação:

 

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